sábado, 26 de julho de 2014

Sem ondas

               
 
Foto: Hamanov Vladimir
 
 
A chuva cai,

quando se está no chuveiro.

Vai caindo de rajada.

Beija o corpo inteiro.

O cabelo fica com estrelas a brilhar.

O corpo fica claro.

Sentimos leveza.

Vontade de voar.

 

Fica nas mãos o cheiro

do sabor que procuras.

Absorvem-se essências,

incoerências minhas

que perfumam o espaço.

Olho para o espelho

e vejo que está baço.

Adensou-se o nevoeiro.

Estou presente

mas nada está claro.

 

Limpo o espelho.

A imagem fica condensada

no sopro de ar.

Visto-me de frio,

quando me dispo nas chamas

da ilusão poética.

 

Os versos são cintos brancos.

Sem medida.

Ajustada com rimas inexistentes.

Os sinais de pontuação são finais

e perpetuam o pensamento.

Pausa.

Espera.

As Palavras são indecentes.

Podem revelar muito.

Nunca dizem o suficiente.

 

Apanho os cabelos

e prendo-os na loucura da razão.

Navego no sonho.

Finda-se a tempestade.

Aqui já não existem ondas.

sábado, 19 de julho de 2014

Espero-te aqui


 
 
Descalço-me da Vida.

Descalço-me para a poesia.

Envergo palavras de seda

rendilhadas de pérolas

de fantasia.

Reflito a Alma

que emerge no espelho baço

da palavra escrita.

 

Sei que o Amor é sombrio.

É nocturno.

Acende-se, contudo, o rastilho.

Sinto tudo na planta

que emerge da flor

da pele.

 

Roubo-te.

Vamos dançar.

Ficas a meus pés

numa altura que não vi.

Não sei quem és.

Apenas te sorri.

 

Surges pela porta fora

da distância.

Vens inteiro,

quando te descubro

e mergulho a caneta no tinteiro

do teu Amor.

 

És mendigo.

Queres que esteja contigo.

Não me desnudo.

Não sei o que é o Amor,

digo-te.

Não te pedirei um beijo por favor.

 

Abaixo da razão,

a anatomia do beijo

prende-me ao chão.

Estou aqui.

Possuo a tua língua.

Falámos com antónimos.

Beijamos com sinónimos.

Usamos paradoxos:

ardemos no fogo

que não vemos.

Falamos de coisas que não entendemos.

E no fim colhes a flor de inverno.

 

Respiro o Céu.

Estou morta na terra.

Sabemos o que o desejo encerra,

agora.

(Re)visto-me a preto e branco

quando vais em contramão.

 

Fecha a porta.

Volta amanha.

Espero-te aqui.

sábado, 12 de julho de 2014

Não volto mais


Foto: Graça Loureiro
 
 
Vendo a minha alma
com Palavras cegas
de sentido.
Sacodes o meu corpo.
Fazes a minha cabeça
andar à roda.
Encosto-me.
Não quero embater
no teu mundo.
Vou-me embora!
 
Invento o que sou
por baixo da roupa.
As mãos atravessam a luz
e o que fica
é a noite vazia
que me agarra por fora
e me prende por dentro.
Vou-me embora!
 
Deito-me, sem dó,
por cima de uma caligrafia feia.
Escrevo mal, lamento.
Torno a minha boca vulnerável
com o sopro ligeiro
do respirar das Palavras.
Escondo-as nas nuvens
e solto-as do Céu.
Chove e molha o rosto teu.
Vou-me embora!
 
Abandono –me ao som
diurno dos passos.
Há paz no lugar da Solidão.
Há o Silêncio
quando se enterra o coração.
Vou-me embora!
 
A noite fica transfigurada.
Lentamente,
palavra a palavra,
chega a madrugada.
Lês-me e desvendas-me.
Compreendes as entrelinhas.
Nada há para esconder.
Vou-me embora!
 
Agarra-me.
Solta-me.
Fala-me.
Cala-me.
Escreve-me.
Apaga-me.
Termina.
Recomeça.
 
Vou-me embora.
Não volto mais.
E tu, ficas comigo?