domingo, 31 de maio de 2015

Cantiga na rua



 
Foto: Haleh Bryan
 
Ai Deus,

que não posso falar (-te).

Pode a alma cantar

e tu poderás escutar.

 

Bem segura e

sem formusura,

vou descendo a avenida

com a  guarida

de desejos

e um molho de rosas

para os teus olhos.

Ai Deus, triste moça sou!

 

Abraso a neve

e ninguém se atreve a

soltar-me os cabelos

pois o que tenho

está na ponta dos teus dedos,

e não no caos.

Na ponta da língua,

hálito de vontade.

Ai Deus, que sou feiticeira!

 

Vestida de verso

fiado.

E tu olhas para mim

e o vestido fica rasgado.

Quero que o ventre vazio

fique habitado por ti.

Ai Deus, que sou pedinte.

 

Não semeies os sonhos

nos verdades campos.

Anda descobrir os vales.

Vem encontrar-me.

Ai Deus, que estou perdida!

 

Fico com as pernas boquiabertas

só de te querer

pois sabes dos mundos

presos à minha cintura .  

Libertas o perfume liquido

da ternura

da rosa que te trago.

Ai Deus, que faço eu?

 

Foge o grito açucarado

 diluído no gemido

aguado da existência.

Ai Deus, que é de mim?

 

 

Piso a terra

descalça para a vida.

Não sei o que me prende

mas há algo em mim se enterra.

Disso não falo!

Ai de mim, ré sou!

 

Perdoai-me Deus

por tão enleada

estar de mim.

Não é pecado matar a fome

de quem ainda não comeu.

Devo apaziguar o ávido gineceu.

 

Sem cantigas,

vou descalça,

formosa e segura

                                                                  de te poder encontrar.        

sábado, 23 de maio de 2015

Ofertório


 
 
Foto: Paulo Taborda
 
 
Ficamos no limbo.

O tempo está acorrentado.

Não temos asas

mas braços.

 

Bebes a água da boca.

Percorres a planície

do corpo.

 

Desampara-o

e tira-lhe o descartável

pois morreu.

Surgirá algo palpável.

Dá-lhe vida.

Sou eu.

 

Sussurro-te versos,

os meus pecados.

Achas que serão perdoados?

 

Fecunda os sentidos

e nascerá poesia

corporal.

 

Há o presságio do abismo

que nao vem em nenhum

mapa astral.

Ficas dentro do corpo

que não é teu.

Nao estás possuído.

Agora és meu.

 

Desperta a carne.

Nada é espiritual.

Podes chegar ao céu.

Levando contigo um pecado

bem original.

 

Nos sonhos ávidos

de desejos nossos,

em chama cor de sangue

nasce uma rosa sem espinhos. 

sábado, 16 de maio de 2015

Jogo noturno

 
Foto: Alenushka Sestrichkina
 
 
A cama fica de vigília.

A roupa é cadente.

A pele submissa

ao toque.

O corpo é fluído.

As mãos são virgens.

 

A noite é profana.

É dela que imana

o grito surdo

no poço sem fundo.

 

Os beijos silenciados

ficam perdidos nos

recantos do corpo.

 

Só poderão ser palpáveis

na cama acesa,

lábios de rosa,

colhidos por ti.

 

Infiltra-te na terra.

Incendeia a sombra.

Assim orvalhará na primavera.

 

Amanhã

este poema irá invadir-te

e verás que

nada é o que parece.

Apenas um jogo (poético) noturno.

sábado, 9 de maio de 2015

À vista desarmada



 
Se eu (me) vier

à noitinha,

será na minha cama de linho

onde alinho

as minhas longas pernas.

 

Dispo-me

e deito metaforicamente

o meu corpo,

planície ondulante.

 

Percorro-me pelo avesso.

Nos recantos onde ando
    
sem ti.       

Dedilho acordes

de suspiros

na rua da rosa.

Sonho com as mãos.

 

A voz fica escrita no corpo.

Veste-me de fogo.

Procura-me nas palavras,

poesia de sentidos

onde ficamos perdidos.

 

Incandescente,

ficas do lado de dentro

para que possa morrer lentamente

do lado de fora,

à vista desarmada,

entre as nossas pernas.

sexta-feira, 1 de maio de 2015

Melodia-me


 
Foto: Scarabuss
 
 
Sento-me ao piano.

Da ponta dos dedos

emergem as notas

musicais

na pele pautada

recatada

no avesso da roupa.



Escuta

a melodia do corpo

que se toca em silêncio.

A musica ausenta-se.

 

Isolo o caos

da luz.

 

Há compassos.

Há suspiros dedilhados.

Os contratempos são inexistentes.

Abrimos as colcheias

permanentes

e sonantes.

 

Nos gestos clássicos

da volúpia

as palavras são claras

na boca nua.

 

O beijo é a palavra

inaudível

que te aflora

nos lábios.

 

Depois da poesia,

melodia-me

em silêncio.