segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Sombra livre



Foto: Kemal Kamil

Talvez não saibas,

mas onde me deito

não há tempo.

De raiz sou feita de pedra.

 

Calço saltos altos.

Rendo o meu corpo

para os teus enleios.

Penteio os pesadelos

Que trago.

Pinto os lábios de cor

rosa amargo.

 

Toco as sombras,

Rastejando.

Os fantasmas andam na rua.

O céu por cima

de mim flutua.

 

Estou para morrer.

 

Algo me aperta a garanta.

Sufoco atrás de cortinas

de Palavras.

O que corre nas veias

desagua no suspiro

da voz.

 

Despe-me

antes de ser corpo.

Desconheço os seus refúgios

secretos.

 

Caem estrelas

pois quando não há sono,

renasço em ti.

 

O poema virgem,

nos lábios alheios,

sombra livre

da alma.

domingo, 23 de agosto de 2015

Suicídio


 
Entre o céu e a terra,

atirei-me para te ver.

Tropecei numa pedra.

a distância ficou curta.

 

Olhei para cima

e fiquei abaixo

do teu olhar.

 

Tornei-me corpo.

Não sou gente.

 

Estendo-te os meus pulsos

sem abraços para te dar.

 

Ato as mãos ao teu rosto.

 

Engulo a alma.

Vomito um poema

Sem ortografia.

Caligrafia ilegível.

 

Tudo se torna eco

na boca.

 

Escondo-me atrás

de biombos de gestos

impercetíveis.

 

Destapas segredos insondáveis

atrás da porta

que deixei aberta

para poderes entrar.

 

Por tudo o que escrevo,

as sombras suicidam-se.

sábado, 15 de agosto de 2015

Acorda-me


 
Foto: Argoth
 
Acorda-me

adormecida e impenetrável.

 

Respiro os espaços

que habitas

sem mim.

 

Cobres-me de tudo

e nada impossível.

A chuva

solta-me das sombras.

 

Solto-me no impulso

de uma virgindade

que cai como luz molhada

que escorre do corpo.

 

A noite cai no vazio

que se encurta entre nós.

 

Agarra a nudez

na manhã submersa.

 

Mergulho nua.

O que te corre nas veias

é o que te faz gemer

a voz.

 

Sem palavras,

o poema livre

ganha asas

ao ritmo dos versos

que de mim respiras.

 

Acorda-me, agora,

sem palavras.

sábado, 8 de agosto de 2015

Hoje


 
 
Foto: Ario Wibisono
 
 
 
Hoje o corpo beija o chão

quando me deixas

na cova do leito.

 

Roçaste na minha boca

para alimentar a prece.

Tornaste-te devoto.

 

Hoje prendeste-me

na tua voz.

Fiquei atrás das grades.

 

Arrefeci o corpo

para ficar vazia de emoções.

Nada pode fazer borboletar

as entranhas.

 

Arranquei o coração.

Coloquei-o para reciclar.

As loucuras são para reinventar.

 

Lancetei a pele

para ver o reverso.

Conheci a dor de cor

mas não irei recitá-la.

 

Crema-me.

Faz arder o desejo.

Ilumina-me.

 

Deixaste pétalas insipidas

para disfarçar o cheiro

que se mistura

com a tua inexistência

viva.

 

Abandonei o meu corpo.

Nada me prende a ti.

 

Enterrei-me

a teu lado.

Acordei para ti

na terra que respiro

contigo.

domingo, 2 de agosto de 2015

O perfume


 
Foto: Peter Volanek
 
 
Desço da tela

esfumada

em tons esbatidos,

aos teus lábios.

 

Acende o rastilho.

Inspira-te.

Expira-me. 

 

Sente o calor

da insónia.

Perde o chão.

 

Desfia-me

em partículas suspensas.

Torno-me combustão.

 

Revolvo-te as entranhas

em ansiedade crescente.

Fica o hálito baço.

No teu corpo fechado,

fico em ti.

ficas sem cor.

 

Flutuo no vazio,

nua.

Respira o ar

onde deitas

o meu corpo.

 

 

As labaredas acendem

a tua carne.

Tolda-te o sentido.

Desfazes-me.

Recolhes as cinzas.

 

A eternidade efémera

consolida-se.

 

Sente a humidade

da terra.

Apaga a fome.

Sente o cheiro

da rosa insipida.

 

Fecha os olhos.

Sentirás o encanto

do meu perfume.