segunda-feira, 15 de abril de 2024

Reflexão Vital



 Foto: Marina An

Deus não é feito de carne.

Não podemos pedir a morte

a alguém que não tem corpo.

ele  nunca sentiu na  “pele”

o que trazemos no reverso da alma.

 

Fechamos os olhos

 enquanto tudo sangra por dentro

e quando despertamos,

abrimos as mãos

para não cairmos desamparados.

 

Apenas quando caímos em nós

sabemos que estamos efetivamente vivos.

Noutras circunstâncias,

 somos apenas

fantasmas ambulantes.

 

Façamos uns parênteses na boca

e guardemos o que sentimos e

ofereçamos  verdades irónicas

que é o que os outros conseguem suportar.

 

Apenas aconselho para que

não bebam para que nunca vejam o

o copo meio vazio.

 

A poesia é apenas uma reflexão vital

acerca de Nós.

 

sábado, 6 de abril de 2024

O Sol

 

 Foto: Patrizia Burra


Querias me espelho para ser  

apenas um reflexo

da alma gémea que não existe.

 

Quiseste quebrar me

mas não conseguiste vergar me.

 

Fechaste a porta à chave

para não sentires

as correntes da mudança.

 

Nunca desataste o nó na garganta

que representava para ti.

 

Quiseste atirar me para a cova de um dente

para poderes mastigar me

e deitar me fora.

É difícil engolir me.

 

Felizmente é primavera a Vida toda

e os pássaros  tem asas e as armas

para escrever  as palavras

que te cortam o pio.

 

Não precisamos do LápisLazuli

Temos penas.

 

Isso basta para sentir o Sol. 

sexta-feira, 29 de março de 2024

O gesto

 



 Foto: Maciej Grochala

Até os cegos desejam encontrar o Amor

à primeira vista .

Varrer a rua com o olhar e esbarrar com ele

no dobrar da esquina.

 

Mesmo desconhecendo o reflexo,

encontrar na ternura noturna dos dedos

o corpo descoberto

que se consome no fogo lento

da cama improvisada do crepúsculo,

 e se transcende na convulsão do amanhecer

 

No final, guarda se a memória mental

para que possa voltar a reconhecer o Amor

na claridade do gesto.

sábado, 23 de março de 2024

Malmequer




 Foto: Ruslan Lobanov

Duas mãos assassinas  roubam  te a vida

e transformam te em beleza morta

para que possa conduzir o meu destino.

 

Atrais com as tuas cores vistosas.

No jogo das probabilidades,

arrancam te a beleza estéril:

Mal-me-quer, Bem me quer. Mal-me-quer

 

Olhei te até não seres mais nada.

O sangue transforma-se em orvalho.

Alguma saudade ainda permanece.

Já não posso preencher o vazio

que ficou, contigo.

Já não cabes lá.

 

A resposta sempre esteve lá:

Malmequer.

domingo, 17 de março de 2024

A porta da ilusão

 


Foto: Horyma

A porta está destrancada.

A intenção é fugir.

Escapar.

Deixar te para trás.

 

A porta está destrancada.

Estás a preencher o meu jardim

com as tuas flores.

Ainda não chegou a primavera.

 

A porta está destrancada.

Tens as palavras debaixo da língua

e no  movimento marítimo dela

vejo a resposta .

 

A porta está destrancada.

Atravesso – a.

Respiro o teu ar.

 

É algo tangível na ilusão:

atravessar a sua porta e acreditar 

na sua realidade.

sábado, 9 de março de 2024

A Estrela

 Foto: Pavel_Mirchuk


Viramos os olhos para dentro

onde lobos solitários,

nos desmembram e deixam à mostra

a realidade:

esqueletos brancos banhados pela luz fria.

 

Somos demasiado fracos

para a  suportar:

A Verdade encarnada

na Estrela Polar.

sábado, 2 de março de 2024

Black Widow




 Foto: Grisha Selivanov

Esta história é um prenúncio

de morte anunciada.

Escuto o silêncio solitário

acentuando, à partida,

a minha sina que me caia de negro,

como viúva.

 

O tempo marca o meu corpo

feito ampulheta.

Reconheço, que já não sou jovem.

 

O tempo muda.

 

O verão surge subitamente quando

entras na minha casa.

A tua vida é minha agora.

Já não podes ir embora.

Seremos apenas nós.

 

O que posso eu fazer,

senão alimentar me de ti?

Sei que estás de passagem

mas o veneno consome o teu corpo

sem  hesitar,

quando te toco para te agarrar.

 

Acompanho te até ao teu ultimo sopro

nupcial.

Foste um lugar onde a solidão

era impossível.

 

No final continuo Viúva Negra,

orgulhosamente..

 

domingo, 25 de fevereiro de 2024

Sinto muito

 




Vou explicar o que sentes

e não vês.

 

Há tanto para dizer

quando ficas fechado do lado de fora

e há algo que se quer libertar

do lado de dentro.

 

Sinto muito mas

Não é Amor.

É tudo uma questão hormonal.

A serotonina e a ocitocina

que põe o coração a bater mal.

 

Não te convenças que existem

insetos na barriga.

Se assim fosse,

estarias doente.

 

Se te falta o ar,

é possível que seja asma

e que precises  de bombear.

 

provavelmente terás o pensamento limitado.

Tu dizes que apenas está focado

Tu, eu, Tu, eu, nós.

Deves alargar os horizontes, aconselho.

 

Esconde a fala.

Não pronuncies I love you

Pode ser que apenas

o sintas tu.

Lembra te que a

palavra é eterna,

a realidade pode  mudar.

 

Andas nas nuvens

e dizem te que o que sentes

não tem pernas para andar.

Naturalmente não vais ficar

perto de quem dizes amar.

 

Nada de preocupações,

há outros caminhos a percorrer.

 

A boa noticia é que

o  amor não te vai matar.

Não há certidão de óbito.

Se tens o céu na boca,

porque achas que o paraíso

está longe?

 

Sinto, sinto muito.

 

O que te escrevo

pode não te emocionar

mas as Palavras que

tens guardadas em ti

fariam chorar as pedras da calçada.

 

Sinto, sinto muito.

O amor não é uma construção

mas uma desconstrução do que sentes

para conseguires suportar o que

está na frente das tuas órbitas.

 

Sinto, sinto muito.

domingo, 18 de fevereiro de 2024

A vela

 



Foto: Dora Araújo


Os gritos (da mente)

gemidos

estão presos aos dedos

escreventes.

 

O que resta é pouco:

um esqueleto descarnado,

um corpo sem alma.

 

Quando o tempo se encarregar

de decompor o que resta,

regressará à terra.

Já não encontrará a luz.

Cinza sem brasa.

 

Agora,

acende uma vela.

sábado, 10 de fevereiro de 2024

Espanta(lha)-te

 


A terra já esteve em pousio

para amadurecer,

enquanto aguarda o estio

para continuar a florescer.

 

O espantalho está

no campo de girassóis:

a solidão e a primavera.

 

Já não há folhas

a rodopiar com o vento.

.Não te posso escrever

 

Surge a estrela ao amanhecer

que transformam esses seres vivos

em submissos que,

giram em torno

desse fogo preso no céu.

 

(mas a solidão permanece, 

espanta(lha)-te).

domingo, 4 de fevereiro de 2024

O lugar

 


Ninguém precisa de espaço
pois ele está povoado
com corpos celestes
que se limitam a gravitar.

É necessário escolher um lugar,
de entre os muitos que existem,
a que possas chamar lar
e onde te possas perder, por vezes.

Isso acontece:

quando subtilmente agarras
o pulso do outro e
sabes que tens o coração dele
nas mãos;

quando dás o peito às emoções,
afastando os braços do corpo;

quando choras a tua morte,
Gritando dentro do poço e
apenas ouves o eco do teu silêncio;

quando não abandonas a casa
onde o teu corpo arruinado
Habita;

quando sabes que tudo
Nasce para cair, descobres
a gravidade das coisas;

quando preenches os espaços
na agenda para estares
com quem te faz caminhar
Por dentro de ti.

São nesses momentos
que encontras o teu lugar.

sábado, 27 de janeiro de 2024

Palavras do corpo



 Já não há nada a dizer.

O gesto conta uma história
Numa linguagem sem palavras.
Apenas os dedos rosnam.

Os pássaros traçam escuros voos.
Procuram um fruto para morder.
O odor emerge das raízes 
Das árvores que se pretendem
 abraçar.
Há fogueiras junto aos lagos.

Sustém a respiração:
O corpo não fica à superfície.
Fá lo regressar
Para o refúgio dos teus dedos
Proclamando o seu nome
no arrepio da manha.

Hoje afinal, tenho algo a dizer:
Não são palavras ridículas:
São as palavras do corpo. 

domingo, 21 de janeiro de 2024

Desejo velado

 



A menina do outro lado

Vive na rua do quadrado .
Olha para o calendário
Que não lhe diz a idade.

Bate com a cabeça nas esquinas
Encurralada por paredes solitárias .
Esqueceu as curvas da existência.

Encontra se em dias de sol
Quando olha as paredes
E vê o chão que pisa.

Tropeça nas interrogações
Recolhe os pedaços
Para ver o que está errado.
Mas ela vê mal.
Está tudo desfocado.

A coragem vem quando
A terra treme debaixo dos pés
E se salta para o abismo
Para se ver a luz.

Há rostos vivos que a reanimam
Quando ela teima 
em pousar a cabeça
Nos fantasmas familiares.

Volta a respirar
No buraco negro sem tempo
Sem espaço
Mas com marcos de memória.

Se a noite terminar,
Não estará sozinha.
Pode dormir tranquila:
O desejo de voltar
Vela lhe o sono.

sábado, 27 de maio de 2023

A Bandida

 




Apanhar uma bandida

que encontrou um quarto

com tendência para ser minguante,

faz pensar que no céu não há lugar

para muita gente.

No final,

mais vale ter uma bandida

(do pomar) ao lado

e beber o que de melhor

a fruta da tentação

tem para oferecer.

 

Por isso,

ter uma bandida ao lado

nada de mal tem.

Refresca te o corpo

e aclara-te a alma  

com um beijo gelado nos lábios.

domingo, 14 de maio de 2023

Finis Terra


 

Vi as minhas margens nuas

e na sombra, curvas claras.

Doeu o ar que inspirei

e custou me a simples expiração.

 

Não quebrei as esquinas

e pelas janelas

(do olhar)

entraram as primeiras luzes.

 

Trouxe apenas a solidão

das mãos cheias de nada.

Arranquei as palavras com raízes

numa casa onde habita o teu nome.

 

Procurei aquele ditongo que ecoa

nos dias entardecidos

apenas para me

deixar engolir pelo buraco negro.


Jurei ser eu

e ter o poder de

flutuar sem tirar os pés do chão.

 

quis apenas que me mostrasses

a beleza da morte de uma estrela.

 

Cheguei ao meu destino:

finis terra.

Nada terminou.

Para lá da fronteira

ainda há caminho.

sábado, 6 de maio de 2023

Anda à noitinha

Anda à noitinha porque

não te quero encontrar

à luz do sol para que 

não haja um vazio entre nós 

e uma sombra aos pés.


Anda à noitinha para podermos encontrar

uma resposta sem ter

o chão debaixo dos pés.


Anda à noitinha

porque não quero escrever-te um bilhete

e as palavras leva-as o vento.

Deixa o silêncio do gesto falar por nós.


Anda à noitinha

porque ando perdida pela casa

e há uma vontade  que ondula nos ossos.


Anda à noitinha 

porque das entranhas da terra

emergem as labaredas enterradas 

nas profundezas do solo

e tu trazes o vento nas mãos.


Estou perdida, por isso,

anda à noitinha.