sábado, 19 de dezembro de 2015

Impressão digital


 
Abro os caminhos

ladrilhados pelos passos

que não dei.

Mantenho a verticalidade

mas permaneço na perdição.

Para onde vou, não sei.

 

Ultrapasso os muros

que me cercam.

Num passo em falso,

sei da robustez do chão.

Fico a seus pés.

 

Da terra posso ver as estrelas

e as pedras choram por mim.

Suportam o peso

e o que sou.

 

Fico à distância do estender de mão.

 

Amparo-me

na impunidade

que se mantem firme.

 

Não subo degraus.

Elevo-me

para ficar vertical.

Foge-me a língua

para os olhos.

 

Vejo a serenidade

quieta da existência.

 

Deixo o sorriso sofrido

enroscado nos murmúrios

das ruínas

do meu corpo

retorcido.

 

Não voltei a pisar

as pedras da rua

que me possuíram

e onde deixei a minha

impressão digital.

domingo, 13 de dezembro de 2015

Estou aqui


 
 
A cadeira está vazia.

Há vida que aí se pode sentar.

Não olho para o relógio.

Tirei o tempo do pulso.

Nada estará pela hora da morte.

 

Mantenho os olhos

abertos para a insónia.

Tenho medo do sono.

Tenho o caos no fundo

dos  olhos.

 

Não quero camas de algodão.

Não absolverão

os pesadelos com o papão.

Vou dormir no chão,

amarrada à respiração

que me faz ondular o peito.

 

Dispo as luzes.

Acendo a escuridão.

Respiro a terra que piso.

Sou terra à terra.

Não vou para o céu.

 

Estou aqui.

A cadeira continua vazia.

domingo, 6 de dezembro de 2015

A máscara

 
Foto: John Borg
 
Nunca soube olhar

 para o espelho.

O reflexo nunca

foi nada de bom.

 

Nunca dei nada de mão beijada.

Afinal não devemos levar

algo dado

mas trazer algo novo.

 

À primeira vista

nada se ama

porque tudo surge

do que se provoca.

Não do que se vê

mas do que se toca.

 

Simplesmente o olhar,

nitidamente,

pode devorar-te

a carne.

 

Ficam vagas de silêncio

no corpo agitado.

Transpiro gritos

nas veias  palpitantes.

 

Mantenho o corpo

à tona

mesmo que o fio da navalha

possa rasgar o ar

que respiro.

 

O que se passa por dentro,

ninguém vê.

Todos sangramos.

Estamos vivos!

 

Somos seres ocultos

pela máscara de pele

que vestimos.

domingo, 29 de novembro de 2015

A cama



 
Foto: Bezheviy
 
Quando desejamos,

estamos mortos por algo.

Ficamos no lugar

do morto.

 

Vamos para a cama

e levamos o silêncio

magoado nos lábios.
                            
                           Permite-nos estar direitos,

horizontais

com a ilusão dentro de nós.

 

De mansinho,

damos a mão,

o pulso,

a língua.

As partes não chegam.

Damos o corpo

às palavras engasgadas

na garganta.

 

Brincamos na cama

para atingirmos o ponto

insaciável com elas,

sem proteção.

Respiramos o vazio

entre o teto

e o chão.

 

Quando nasce o dia,

permanecemos acamados,

comprometidos com a saliva

que ficou na almofada,

enquanto dormíamos.

sábado, 21 de novembro de 2015

Na ponta dos pés

 
Foto: Oktay Donmez
 
Na solidão de um quarto

vazio de gente,

um corpo nu,

frio,

adormecido,

está deitado na secretária.

 

Ando na ponta dos pés.

 

As Palavras são

semeadas em terra escura,

por isso,

hoje deveria escrever

de luz apagada.

 

Criam raízes

e não há vento que as abale.

Há momentos felizes.

 

Poderia agarrar-te

e traçar o teu destino.

Mas a boca tem o céu

e a língua tem  tudo

o que te quero dizer.

 

Hoje tens o melhor de mim:

o meu silêncio

escrito na ponta dos pés.

segunda-feira, 16 de novembro de 2015

O Parto


 
Foto: Luís Carvalhido
 
 
Vou dar versos à luz

Que trago implantados em mim.

É um embrião

Que adormeceu no escuro

do meu ventre

e está aí escondido.

 

Possui-me não me possuindo

Quando o rio vai escorrendo

pelas pernas.

 

É um rio

sem margens

que desagua na Terra,

corpo de vidro.

 

Sinto-me sem chão

quando flutuo

E dá-se a prova da gravidade.

 

Caíram lagrimas do céu.

As pedras ficaram molhadas.

Não farei chorar as pedras da calçada.

 

Não escrevo por linhas tortas.

Não é o meu lema.

Escrevo torto sem linhas.

Não sou Deus.

Crio o poema.

 

Coloco-me em angulo morto.

O corpo partiu-se

Em pedaços de nada.

 

Pequenos brilhos

Existem quando

o sol espreita.

 

Agora não percas tempo.

Olha pelo espaço.

É lá que eu estou.

domingo, 8 de novembro de 2015

Fora de ti


 
Foto: Antonio Diaz
 
 
Os poemas são portas abertas,

dizem,

e por isso não as poderia fechar.

Acabei por me entalar.

 

Dei o meu corpo

ao ofício

e até me cegaram os olhos

de dor.

 

Fiquei fechada cá fora.

Algo se passava do lado de dentro,

debaixo do céu.

 

Sentei-me,

num canto qualquer

à sombra

da luz.

 

Cobri o rosto com as mãos

e fechei os olhos

à realidade e abri os olhos para

a alucinação.

 

Ficou o odor

das rotinas,

do que existe

para além da fronteira

do meu corpo.

 

Ouvi histórias

inventadas

em negros traços orais,

sussurrados em noites brancas.

 

Não conheço o sabor

das palavras salivadas

no céu da boca.

Nunca as disse.

 

O toque trouxe a suavidade

do pó consolidado

do esqueleto que

me agarra o rosto.

 

Disseram-me para escrever

nas paredes

pois são lisas e duras.

Posso gravar o que quiser.

Basta ir para a sepultura.

 

Vela, agora, as  minhas  últimas palavras

caligrafadas,

que te deixo

como herança.

 

Estou fechada cá dentro,

fora de ti.