domingo, 25 de setembro de 2016

Não há santos





Poderia escrever uma história

de encantar.

Infelizmente não tenho moral

para falar.

Seria um livro em branco.



Mando-vos à missa.

Digo-vos que comereis o corpo

para salvar a alma.



Calem-se mortais.

Não me chameis pecadora.

Levais uma hóstia!



Não vos mata a fome.

Não vos mata a sede.

Mata a vontade que

não é nada pouca

quando tudo se aponta à boca

e sentis vontade de tirar a roupa.



Vós mortais,

não bebereis o sangue

que pulsa nas veias.

Apenas pegareis em copos e

dividireis o desejo líquido a meias.



Deito-me sobre as tábuas

do meu colchão:

impecáveis lençóis de algodão.

Sei que eles não enganam e serão absolvidos

todos os suores da tentação.



Não vos preocupeis mortais,

pegarei no terço para rezar.

Talvez assim me possa salvar.



Mas parece que não há santos!

Fim da história.

sábado, 17 de setembro de 2016

Não sou anoréxica




Foto: Angela Vicedomini



Não sou anoréxica.

Não engulo tudo.

Apenas o que é preciso.



Deixa-me arrancar-te

a língua da boca.

Deixa-me cravar-te dez garras

no corpo.

Deixa-me gemer abaixo do umbigo

e deixar-te fugir

para dentro de mim

quando desapertares o nó

do desejo.



Dá-me um tronco

para me encostar.

Preciso de uma pausa

para saber a causa

de me desbravares

por dentro.



Deixa-me abraçar-te

o corpo com as pernas

e ficar com a boca a salivar.



Afoga-me em água de rosas

das planícies

invioláveis.

Deixa-me morrer

na vontade.



Não preciso de amor

para me sentir leve.

Não preciso de fazer dieta.



Não preciso de amor

para respirar.

Dizem que com ele ficamos

com falta de ar.



Não sou anoréxica

De sentimentos.

Sou uma obesa de

desejos proibidos.

sábado, 10 de setembro de 2016

Alerta




Não gosto do escuro,

por isso,

recuso fixar o olhar

na chávena do café.

O escuro queima.



Abre-se a porta dos fundos

para poderes entrar.



A noite é uma criança.

Tens de brincar.

São precisos corpos.

Vamos às escondidas

jogar?



Há sempre roupa a mais

a cobrir o céu.



O segredo é o incêndio.

Arde em silêncio.

Encontro-me dentro

do teu pensamento.



Necessito respirar

o perfume líquido das rosas

brancas

que invade os lábios.



Ainda não respirei.

Cortei-me.

Fiz o sangue jorrar.



O poema faz-se

de sangue e carne.



Alerta:

Ser poeta é um ofício

que pode colocar

a vida em risco.

sábado, 3 de setembro de 2016

Post Scriptum





Foto: Joana Lora


P.S. Começa a viver pelo final.

O que interessa é o que escreverei depois.

Não agora.



Lê esta carta escrita para ninguém.

Eu não sei nada de nada.

Tenho um desejo doido

de gritar

no quarto, na cozinha

ou na sala de estar.



Fora da porta

ocorrem terramotos

que remexem o que está soterrado.

Anda tudo desatento.

No final apenas os fantasmas

Morrerão de esgotamento.



Há o laço na raiz.

Sento-me no chão

e a saia escorrega.

Converso com o mendigo.

Nada lhe peço.

Ele dá-me um beijo mordido.



Na terra virgem

há segredos que se escondem

nas lagoas dos olhos.



Molho os pés no mar.

Vem a onda.

Abro o corpo

para a espuma branca.



O grito provoca o espasmo.

Não era de frio.

Era apenas um orgasmo:

uma fugaz eternidade.



P.S.  O melhor vem sempre no fim.