domingo, 21 de abril de 2024

Um dia

 


Foto: Victor  Melo

Um dia saberás

que as areias são movediças 

e por isso, 

 não poderás construir

castelos de areia.

 

Um dia serão apenas

Memórias passadas

que irão ocupar a tua mente.

 

Não recearás  esqueceres as coisas

mas que as pessoas se esqueçam de ti.

 

Não desejarás morrer de cancro:

uma morte lenta e silenciosa

a que se dá o nome de solidão.

 

Saberás que quanto mais tarde chegares,

mais perto estarás do destino:


um lugar comum

onde tudo será terra a terra;

onde estarás despido de preceitos

e no escuro respirarás

deitado no fosso fundo

buscando a luz na despedida eterna.

segunda-feira, 15 de abril de 2024

Reflexão Vital



 Foto: Marina An

Deus não é feito de carne.

Não podemos pedir a morte

a alguém que não tem corpo.

ele  nunca sentiu na  “pele”

o que trazemos no reverso da alma.

 

Fechamos os olhos

 enquanto tudo sangra por dentro

e quando despertamos,

abrimos as mãos

para não cairmos desamparados.

 

Apenas quando caímos em nós

sabemos que estamos efetivamente vivos.

Noutras circunstâncias,

 somos apenas

fantasmas ambulantes.

 

Façamos uns parênteses na boca

e guardemos o que sentimos e

ofereçamos  verdades irónicas

que é o que os outros conseguem suportar.

 

Apenas aconselho para que

não bebam para que nunca vejam o

o copo meio vazio.

 

A poesia é apenas uma reflexão vital

acerca de Nós.

 

sábado, 6 de abril de 2024

O Sol

 

 Foto: Patrizia Burra


Querias me espelho para ser  

apenas um reflexo

da alma gémea que não existe.

 

Quiseste quebrar me

mas não conseguiste vergar me.

 

Fechaste a porta à chave

para não sentires

as correntes da mudança.

 

Nunca desataste o nó na garganta

que representava para ti.

 

Quiseste atirar me para a cova de um dente

para poderes mastigar me

e deitar me fora.

É difícil engolir me.

 

Felizmente é primavera a Vida toda

e os pássaros  tem asas e as armas

para escrever  as palavras

que te cortam o pio.

 

Não precisamos do LápisLazuli

Temos penas.

 

Isso basta para sentir o Sol. 

sexta-feira, 29 de março de 2024

O gesto

 



 Foto: Maciej Grochala

Até os cegos desejam encontrar o Amor

à primeira vista .

Varrer a rua com o olhar e esbarrar com ele

no dobrar da esquina.

 

Mesmo desconhecendo o reflexo,

encontrar na ternura noturna dos dedos

o corpo descoberto

que se consome no fogo lento

da cama improvisada do crepúsculo,

 e se transcende na convulsão do amanhecer

 

No final, guarda se a memória mental

para que possa voltar a reconhecer o Amor

na claridade do gesto.

sábado, 23 de março de 2024

Malmequer




 Foto: Ruslan Lobanov

Duas mãos assassinas  roubam  te a vida

e transformam te em beleza morta

para que possa conduzir o meu destino.

 

Atrais com as tuas cores vistosas.

No jogo das probabilidades,

arrancam te a beleza estéril:

Mal-me-quer, Bem me quer. Mal-me-quer

 

Olhei te até não seres mais nada.

O sangue transforma-se em orvalho.

Alguma saudade ainda permanece.

Já não posso preencher o vazio

que ficou, contigo.

Já não cabes lá.

 

A resposta sempre esteve lá:

Malmequer.

domingo, 17 de março de 2024

A porta da ilusão

 


Foto: Horyma

A porta está destrancada.

A intenção é fugir.

Escapar.

Deixar te para trás.

 

A porta está destrancada.

Estás a preencher o meu jardim

com as tuas flores.

Ainda não chegou a primavera.

 

A porta está destrancada.

Tens as palavras debaixo da língua

e no  movimento marítimo dela

vejo a resposta .

 

A porta está destrancada.

Atravesso – a.

Respiro o teu ar.

 

É algo tangível na ilusão:

atravessar a sua porta e acreditar 

na sua realidade.

sábado, 9 de março de 2024

A Estrela

 Foto: Pavel_Mirchuk


Viramos os olhos para dentro

onde lobos solitários,

nos desmembram e deixam à mostra

a realidade:

esqueletos brancos banhados pela luz fria.

 

Somos demasiado fracos

para a  suportar:

A Verdade encarnada

na Estrela Polar.

sábado, 2 de março de 2024

Black Widow




 Foto: Grisha Selivanov

Esta história é um prenúncio

de morte anunciada.

Escuto o silêncio solitário

acentuando, à partida,

a minha sina que me caia de negro,

como viúva.

 

O tempo marca o meu corpo

feito ampulheta.

Reconheço, que já não sou jovem.

 

O tempo muda.

 

O verão surge subitamente quando

entras na minha casa.

A tua vida é minha agora.

Já não podes ir embora.

Seremos apenas nós.

 

O que posso eu fazer,

senão alimentar me de ti?

Sei que estás de passagem

mas o veneno consome o teu corpo

sem  hesitar,

quando te toco para te agarrar.

 

Acompanho te até ao teu ultimo sopro

nupcial.

Foste um lugar onde a solidão

era impossível.

 

No final continuo Viúva Negra,

orgulhosamente..

 

domingo, 25 de fevereiro de 2024

Sinto muito

 




Vou explicar o que sentes

e não vês.

 

Há tanto para dizer

quando ficas fechado do lado de fora

e há algo que se quer libertar

do lado de dentro.

 

Sinto muito mas

Não é Amor.

É tudo uma questão hormonal.

A serotonina e a ocitocina

que põe o coração a bater mal.

 

Não te convenças que existem

insetos na barriga.

Se assim fosse,

estarias doente.

 

Se te falta o ar,

é possível que seja asma

e que precises  de bombear.

 

provavelmente terás o pensamento limitado.

Tu dizes que apenas está focado

Tu, eu, Tu, eu, nós.

Deves alargar os horizontes, aconselho.

 

Esconde a fala.

Não pronuncies I love you

Pode ser que apenas

o sintas tu.

Lembra te que a

palavra é eterna,

a realidade pode  mudar.

 

Andas nas nuvens

e dizem te que o que sentes

não tem pernas para andar.

Naturalmente não vais ficar

perto de quem dizes amar.

 

Nada de preocupações,

há outros caminhos a percorrer.

 

A boa noticia é que

o  amor não te vai matar.

Não há certidão de óbito.

Se tens o céu na boca,

porque achas que o paraíso

está longe?

 

Sinto, sinto muito.

 

O que te escrevo

pode não te emocionar

mas as Palavras que

tens guardadas em ti

fariam chorar as pedras da calçada.

 

Sinto, sinto muito.

O amor não é uma construção

mas uma desconstrução do que sentes

para conseguires suportar o que

está na frente das tuas órbitas.

 

Sinto, sinto muito.

domingo, 18 de fevereiro de 2024

A vela

 



Foto: Dora Araújo


Os gritos (da mente)

gemidos

estão presos aos dedos

escreventes.

 

O que resta é pouco:

um esqueleto descarnado,

um corpo sem alma.

 

Quando o tempo se encarregar

de decompor o que resta,

regressará à terra.

Já não encontrará a luz.

Cinza sem brasa.

 

Agora,

acende uma vela.

sábado, 10 de fevereiro de 2024

Espanta(lha)-te

 


A terra já esteve em pousio

para amadurecer,

enquanto aguarda o estio

para continuar a florescer.

 

O espantalho está

no campo de girassóis:

a solidão e a primavera.

 

Já não há folhas

a rodopiar com o vento.

.Não te posso escrever

 

Surge a estrela ao amanhecer

que transformam esses seres vivos

em submissos que,

giram em torno

desse fogo preso no céu.

 

(mas a solidão permanece, 

espanta(lha)-te).

domingo, 4 de fevereiro de 2024

O lugar

 


Ninguém precisa de espaço
pois ele está povoado
com corpos celestes
que se limitam a gravitar.

É necessário escolher um lugar,
de entre os muitos que existem,
a que possas chamar lar
e onde te possas perder, por vezes.

Isso acontece:

quando subtilmente agarras
o pulso do outro e
sabes que tens o coração dele
nas mãos;

quando dás o peito às emoções,
afastando os braços do corpo;

quando choras a tua morte,
Gritando dentro do poço e
apenas ouves o eco do teu silêncio;

quando não abandonas a casa
onde o teu corpo arruinado
Habita;

quando sabes que tudo
Nasce para cair, descobres
a gravidade das coisas;

quando preenches os espaços
na agenda para estares
com quem te faz caminhar
Por dentro de ti.

São nesses momentos
que encontras o teu lugar.

sábado, 27 de janeiro de 2024

Palavras do corpo



 Já não há nada a dizer.

O gesto conta uma história
Numa linguagem sem palavras.
Apenas os dedos rosnam.

Os pássaros traçam escuros voos.
Procuram um fruto para morder.
O odor emerge das raízes 
Das árvores que se pretendem
 abraçar.
Há fogueiras junto aos lagos.

Sustém a respiração:
O corpo não fica à superfície.
Fá lo regressar
Para o refúgio dos teus dedos
Proclamando o seu nome
no arrepio da manha.

Hoje afinal, tenho algo a dizer:
Não são palavras ridículas:
São as palavras do corpo. 

domingo, 21 de janeiro de 2024

Desejo velado

 



A menina do outro lado

Vive na rua do quadrado .
Olha para o calendário
Que não lhe diz a idade.

Bate com a cabeça nas esquinas
Encurralada por paredes solitárias .
Esqueceu as curvas da existência.

Encontra se em dias de sol
Quando olha as paredes
E vê o chão que pisa.

Tropeça nas interrogações
Recolhe os pedaços
Para ver o que está errado.
Mas ela vê mal.
Está tudo desfocado.

A coragem vem quando
A terra treme debaixo dos pés
E se salta para o abismo
Para se ver a luz.

Há rostos vivos que a reanimam
Quando ela teima 
em pousar a cabeça
Nos fantasmas familiares.

Volta a respirar
No buraco negro sem tempo
Sem espaço
Mas com marcos de memória.

Se a noite terminar,
Não estará sozinha.
Pode dormir tranquila:
O desejo de voltar
Vela lhe o sono.