segunda-feira, 28 de março de 2016

Será que estás por aí?




Será que estás por aí?

 

A vida útil propaga-se

No prazo de validade.

Amortizamos o que é importante.

Muitos depreciam.

Entre a desvalorização e a utilização,

fica a distancia do abismo.

 

Será que estás por aí?

O amor é de cobre, sabias?

Cobre o que não vês

e vês apenas o que queres.

 

É tangível.

Imóvel.

Cobre o corpo de tudo.

Acorda o sonho

e dormes como uma pedra.

Talha-te.

 

Morremos.

A proximidade morde

a carne,

o gesto,

a palava.

 

Somos sepulturas abertas,

cheias de palavras escritas

na lápide.

 

Ficamos sempre com metade.

Metade do desconhecido.

Metade do gesto.

Metade da palavra.

Metade do silêncio.

 

Será que estás por aí?

Quero tudo

 com todas as metades.

Ou será que não sou digna de ti?
 

sábado, 19 de março de 2016

Levas-me?




Sê bruto.

Torna-te ilíquido.

Vem com tudo.

Retiro-te especificamente

um pouco da tua dependência.

Quero tornar-te mais liquido

para te fazer render.

Singular

 

Sei que para isso

tenho de te ver.

Mas nada do que faça será luminoso.

Não darei à luz.

Demora demasiado.

 

Preciso apenas de colocar as palavras online.

No final,

talvez estejamos casados,

numa união de facto

ou até separados.

Contudo haverá material coletável.

 

É dentro de ti que encontrarei

as estrelas,

um ativo intangível.

Por isso pergunto,

levas-me ao céu?

domingo, 13 de março de 2016

Sem freios



Foto: Pavel Kiselev


O possível não chega

O impossível não basta.

 

Quando o aconchego

dos lençóis lavados

forem o teu único consolo,

significa que os braços ainda não

agarraram a tua solidão.

 

Quando tiveres saudades de um beijo

na boca

bebe um copo de água pois satisfará

o teu desejo.

Beijar é natural como  a tua sede.

 

Talvez te aperte a garganta

quando o que lês

te passar nas cordas.

Talvez fiques na corda bamba

e te faça fixar o olhar

na ausência do ar.

 

Não tenho sonhos em mim.

Caso contrário

 andaria sempre a dormir.

 

Não me rendo à arquitetura métrica

do mundo que me possui.

Mantenho a verticalidade das coisas

tendo o horizonte presente

nunca preenchido

de gestos ausentes.

 

Estou presa na teia da língua

esperando ser abocanhada na gruta

do céu.

 

Sou uma viciada assumida.

Uma dependente das palavras

que me fazem gritar

e orvalhar a rosa

sem freios no peito.

 

Assim,

quando não escrever mais poemas,

significa que morri.

domingo, 6 de março de 2016

Mesmo sem roupa


 
Foto: Andrew Lucas
 
A luz ao fundo

imprime o valor

oculto na máquina.

 

Somos pessoas singulares

e todos damos um contributo rentável

que partilhamos.

 

Não sei se sou uma boa contribuinte.

Contribuo para a tua felicidade?

 

Diretamente tocas-me com valores

pois estou vinculada a ti.

Indiretamente toco-te através

das mãos dos outros.

 

Também temos taxas

quando damos e recebemos:

Tu incendeias.

Eu apago o que resta.

 

No fundo,

há sempre um valor acrescentado

em tudo o que fazemos

mas que varia com a sua importância.

 

Voluntariamente ligas-te

ao que se vai tornar uma obrigação.

Incide sobre a realidade,

sobre o que posso dar-te.

Lanço-te na tentativa de saber quem és

e liquido para saber o que fica.

 

Não haverá cobranças

de ambas as partes.

 

Saberás apenas que terás direitos

e contrairás deveres.

Tens personalidade (jurídica), ou não?

 

No final dir-me-ás que isto é ordinário.

Eu digo-te que mesmo a contragosto,

mais tarde ou mais cedo,

todos temos de pagar.

 

Lanço-te um beijo.

Vou ter de o cobrar

mesmo que no final fiques

sem a roupa do corpo.