domingo, 26 de março de 2017

Fome




Foto: Ruslan Lobanov


Percorremos a via-sacra

ao sabor do instinto.



Não há maldade.

Podia ser freira

mas desprendi-me do hábito

(antigo).



A palavra morde a língua.



Há a queda nas estações.

Por aqui é Primavera

ou  Verão.



Não há duas sem três.

Caio de quatro.

Carne.

Terra.

Decomposição.

Ejacula.

 Boa-fé.



Há círculos de fome

Na matéria.



Regressámos nus

com a violência

do grito sem literatura.



Seja feita a nossa

vontade na terra.



Oremos para a fonte nunca secar.



Sejamos fiéis

e mantenhamos a convicção:

não há fome

que não dê em fartura.

terça-feira, 21 de março de 2017

Jogas?




Foto: Paolo Lazzarotti


Agora vou dizer

coisas sem nexo.

Nada de complexo.

Algo vulgar

que a poesia permite.



Queres que te guarde na boca.



Deslizar sem ruido.



Quero morar na tua carne.
 

És um enigma singular.

Quero desvendar-te

do lado de dentro.



Inspiro (-me)

e assim ficas dentro

dos meus pulmões.



Os desejos ficam

latentes

nas palavras do corpo.



Quando a roupa cai,

não penso

(para com os meus botões).

Não procures explicações



É esse jogo noturno

que não podes perder.

Jogas?

domingo, 12 de março de 2017

Espaço





Foto: Rosário Pereira

Ando sempre nas alturas.

Por isso,

não te chego aos calcanhares.

Quase subo pelas paredes

com as pernas cruzadas.



Toma o meu corpo.

Tem um cuidado intensivo

com ele.



Na boca, as palavras

trazem razão

mas depõem contra

o coração.



Os verbos irregulares

trazem ações imprevisíveis

dentro de mim.



A urgência dos olhos,

a mensagem nos lábios

que traz a palavra indecente,

como se entrasses

pela minha roupa a dentro.





E o coração bate sob a blusa

ardente,

sem saber bem o que sente.



Estendo as pernas

e aguardo o toque

da origem do Mundo.



Um espaço para permanecer.


domingo, 5 de março de 2017

A metáfora






Foto: Tony Schuller


“Tenho pena de ti”.

Estou com a pena suspensa.

Prestes a ser condenada

Sem ainda ter feito nada.

Uma lágrima de crocodilo

no canto do olho.

Não escrevo mais

para não abater

mais árvores.



Não digas que adoras

os meus olhos.

São apenas dois globos oculares

com uma irís colorida.



Não desejes o beijo.

São apenas trocas de fluidos

salivares.

Não os compares ao mar.

Ele é imenso mas não

mata a sede.



O coração não tem sentimentos.

É apenas um músculo

que bate ao ritmo

da tua massa cinzenta.



Nunca me apaixonarei

à primeira vista.

É bonito mas eu tenho duas.

Eu não gosto de mentiras.



O poema ensina

a cair.

Mantem-te firme.

Eu já estou com

os cabelos em pé.



No final,

a metáfora

é o véu do que sentes.