sábado, 1 de novembro de 2014

A Elipse


 
Foto: Ognyan Geshev
 
 
 
Há a elipse

da Palavra.

 

Fala-me ao ouvido.

Chama-me.

Eu rendo-me,

rasgando o que me cobre e,

 no obscuro pulsar

dos corpos,

abro os lábios

para te falar de inocência

na ponta dos dedos.

 

Há a elipse

da Palavra.

 

Imortalizo-te

na mesa deserta.

Solto as vogais.

Leio-te de olhos fechados

como se o teu corpo

fosse braille.

 

Há a elipse

da Palavra.

 

A caligrafia é transparente.

É horrível, e por isso,

fica invisível.

Saio na ponta dos pés.

Ainda nada te disse.

Não sei quem és.

 

Há a elipse

da Palavra.

Liberto a língua.

Alio sílabas.

Formo palavras.

Há coisas que não

se consegue dizer.

Tapa os olhos

e vais ver.

 

Encosto-me.

Anseias-me.

Ardo.

Desfaço-me em espuma.

Apeteces-me.

 

Há a elipse

da Palavra.

 

Fica o cheiro

na raiz do papel.

A Palavra morreu.

Fica o eco aceso

do que (não) te disse

em gestos silenciosos.

 

Há a elipse

da Palavra.

 

Amo-te.

domingo, 26 de outubro de 2014

A Inspiração


Onde a luz morre,

acaba o exilio.

Emerge o corpo

em tempestade.

Escorro fria,

(Ar) raso-me.

 

A Lua esconde-se

envergonhada.

Ainda é nova.

Fica corada.

 

Um copo

de palavras

no fundo da gaveta.

Tenho vontade de enterrar

a chave na porta.

E encerrar-me em ti.

 

Bebo água fresca.

Julgo que as palavras

que te direi

serão frias.

 

Espaço.

Abismo.

Impulso.

Verso límpido.

Incoerente.

 

Deixo-me levar na corrente.

Fuga total.

Regresso às raízes.

 

Na penumbra

algo me dedilha

o sentido.

O desejo surge dos pés.

 

No final,

guardo-me dentro de uma caixa.

Lá no fundo,

sei que te encontrarei

pois repousas

nas coisas móveis e imutáveis.

 
 
Chamas por mim.
 
 Inspiras-me.

domingo, 19 de outubro de 2014

A Flor Azul


 

Torno-me noite.

Afinal ela é

uma criança.

 

Viro as costas ao espelho.

Odeio a visão.

Quero saber o que tens para me contar.

Recorrerei à audição.

 

Há a chama mortal

que me faz rodopiar.

Estou tonta

sem sair do lugar.

 

Cubro as fechaduras.

Não espreites.

Estou a dar corpo à alma.

 

Escrevo na sombra

dos olhos.

Mordo os lábios do pensamento.

 

Da minha raiz

surge a palavra inquieta

num gesto

vulgar.

 

Traz o vento.

Quebra o Silêncio.

Saberei que há

algo mais aqui.

 

A poesia perde o rosto.

Não és Tu.

Não sou Eu.

Somos Nós!

 

Sinto-a pulsar

em traços leves.

Infiltro-me nas palavras.

Cubro os espaços.

Não há intervalos.

 

A água,

palavras mortas,

refrescam a raiz.

Troco o Sol pela Lua.

A meu lado

não podes respirar.

 

Alimento-me do que

não tem voz:

palavras de açúcar dissolvidas

em versos de água.

 

Abro as asas.

Caio no teu colo,

leve,

como uma folha.

 

Sou uma flor Azul.